quarta-feira, 4 de abril de 2012

Dos Segredos (de Alma Welt)


Dos Segredos- Litografia de Guilherme de Faria

Dos Segredos (de Alma Welt)

A Matilde com seu ar falso bisonho
Que me desperta bem cedinho de manhã
Sempre a me perguntar qual foi o sonho,
E não desiste dessa tentativa vã,

Conquanto eu a adore não confio
Na sua muito duvidosa discrição
Que levaria à Mutti aquele fio
Do labirinto deste jovem coração

E a engano com meus falsos segredos
Com aquela candura que a despista
Como se fora ainda meus brinquedos.

E lhe entrego meu corpo em plenitude
Para que com desvelo ela me vista
Em graça verdadeira, que a ilude...

sexta-feira, 23 de março de 2012

O Bilhete (de Alma Welt)


O Bilhete (1974) - Litografia de Guilherme de Faria

O Bilhete (de Alma Welt)

Me recordo, e isso é surpreendente,
Na minha infância um fato corriqueiro,
Um bilhete entregue à Mutti, de repente,
Trazido pelas mãos de um mensageiro

Que montado esperou ele e o alazão
Do qual o pobre nem sequer se apeou
Para beber um copo d’água ou chimarrão
E bem depressa no seu rastro retornou...

De Matilde, que a entrega fez de perto
O olhar foi na verdade o que guardei,
Pois que era pra mim um livro aberto,

E a certeza malgrado ingênua fosse
De que ali se transgredia alguma lei
Que proíbe que um rosto se remoce...

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Saturnálias (de Alma Welt)



Saturnálias (de Alma Welt)

Bá! Carnavais com Rodo, não migalhas,
Não só “rodo metálico”, mas dos tempos
Em que havia festas, Saturnálias,
Nos galpões de outrora, de outros ventos!

Em que eu me punha toda Colombina,
Coquette como a Mutti me dizia
Quando, menos que guria, era menina
Mas tentadora parecer me permitia...

E dançava assim de máscara no rosto,
Retirando-a por momentos bem furtivos
Para que os olhares meus tivessem gosto

E caíssem nos olhos de um Pierrô
Que me distinguia entre os vivos
E assombrados foliões por onde vou...




Meu Diário Violado (de Alma Welt)

Quando eu era ainda uma guria
Ganhei pequeno álbum de Diário
Gracioso e que me embevecia,
Mas com seu cadeado bem precário

Que haveria de ser minha desgraça
Pois ali eu colocava meus segredos,
Tudo, tudo que no coração se passa
E da imaginação os meus enredos.

Mas eis que Solange, meu tormento,
Cortou o cadeado como um queijo,
Acessando o meu secreto pensamento.

E logo ordenou-me, olhando feio:
"Ajoelha, nos meus pés depõe teu beijo,
Aquele mesmo da página do meio!"


Nota
Alma contou este episódio de sua pré-adolescência num pequena crônica de mesmo título. Ela havia ganho esse álbum de Diário, de nossa Mutti, e desconfiaria anos depois de segundas intenções de nossa mãe, dada a fragilidade do cadeado. Solange, nossa irmã mais velha, falecida (há alguns anos) sempre invejara a beleza e os dons da Alma e a perseguiu muito a vida inteira (vide o romance A Herança). Solange tendo violado e lido o diário da Alma, chantageou-a ameaçando contar à Mutti uma determinada página, e obrigou a Alma a se prosternar e beijar seu pézinho gordo, chamando-a de escrava. Alma amedrontada com a possibilidade de seu segredo(?) cair nos ouvidos da "Açoriana" (como ela chamava nossa mãe, com distanciamento) e ser açoitada, obedeceu e humilhou-se beijando os pés de nossa irmã. Solange quis perpetuar essa situação escravizando a Alma, mas esta, para libertar-se preferiu ver seu segredo cair nos ouvidos da Mutti que realmente a açoitou com vara de marmelo. Depois em lágrimas disse à Solange: "Já sofri, estou livre, nada mais podes contra mim!". (Lucia Welt)


A página do meio do Diário (de Alma Welt)

Quando era eu ainda bem guria,
Tornei-me escrava de minha irmã Solange,
Por algum tempo, e confesso: com volúpia,
Que revelá-lo já não me constrange.

Eu iria sofrer por um segredo
Que ela à Mãe ameaçava revelar,
A qual iria por certo me açoitar
Ou mesmo condenar a um degredo.

O beijo que causou o espanto todo
Não mesmo era comum mas espantoso,
Pois não fora na boquinha do meu Rodo

Mas na ponta do pintinho encantador
Que ele me afirmava ser gostoso
Para mim, pois de cereja o seu sabor...