domingo, 13 de setembro de 2020

Memórias da Açoriana* (de Alma Welt)

Quase foi impossível adaptar-me
À medianidade fútil deste mundo,
Em que não podia sequer dar-me,
Digo, algo do meu ser profundo.

Minha mãe carregava uma varinha
De marmelo, pior que palmatória
E dizia: "Para te manter na linha",
E tu não me venhas com oratória.

Ela sabia que eu reduzia a nada
O seu falso moralismo e opressão,
Com uma ou duas trovas, de tacada.

Entretanto ela a boca me calava,
Enquanto eu não tinha vez e mão,
Para a carta que no coração guardava.

. 13/09/2020

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Escândalo (de Alma Welt)

Não foi preciso muito tempo, só um lance,
Para eu deixar de ser guria tonta:
Minha mãe (que Deus no céu amanse)
Num flagrante a infância me desmonta.

Num átimo perdi a inocência,
E debalde a questionar justiça e lei
Passei a metade da existência,
A em vão me perguntar onde eu errei.

Pobres crianças, quando vítimas de adultos
Perdem seu claro olhar de fantasia,
Atingidas por escândalo e insultos...

Jesus disse: "Ai de quem escandalize
Os infantes que são minha melhor cria!
No inferno caia logo e nem deslize..."
.
18/09/2017

domingo, 6 de novembro de 2016

A maternal calúnia (de Alma Welt)

Minha mãe me acusou de amar a arte
E tão somente a arte e nada mais.
Isso é calúnia maternal de sua parte,
Em matéria de amor estou em paz.

A vida e o amor matéria prima são
Dos versos, que no sangue se diluem
E nada mais sustenta o coração
Por onde sangue, amor e arte fluem.

Mãe, sei que a tua forte intolerância
Existe porque que temes minha constância
Que, pensas, leva à solidão e à dor.

Mas um só poema leres não te custa,
E no mínimo verás como és injusta
Pois não haverá boa poesia sem amor...

.
06/11/2016

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

As lágrimas no armário (de Alma Welt)


Minha mãe tinha medo da Poesia,
Que ela dizia levava pra sarjeta,
Que corromperia a sua guria
E que não merecia uma gorjeta...

Entretanto malgrado a ignorância,
Minha mãe era tão bela figura
Que era imprescindível aqui na estância
Por sua elegância e compostura.

E eu a olhava e deplorava
Como podia uma tão distinta dama
Ter em sua alma aquela trava...

Até que um dia a peguei lendo meu diário

E depois de longo tempo num armário
Uma lágrima pousou em sua cama...


.
26/09/2016

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

A Morte da Açoriana (II) (de Alma Welt)


Dizia minha avó: "Tudo são fases",
Quando junto dela eu me encolhia.
Então não demorava a fazer pazes
Com aquela de quem me ressentia...

Que era sempre a mesma "Açoriana",
Minha bela e pobre mãe intolerante,
Dos Morgados a primeira filha, Ana,
Que não me deixaria ir avante.

Assim pensava eu, em rebeldia
Querendo apenas escrever e fazer arte
Coisa que ela não me compreendia...

Mas quando ela morreu, fez-se um vazio
Como se me faltasse alguma parte
Que eu teria que preencher pra ser um rio.

.
18/08/2016

quarta-feira, 27 de maio de 2015

O aplauso (de Alma Welt)

"Alma, minha guria, não te arrisques
A mostrar teu outro lado da moeda,
E com teu belo perfil somente fiques,
Por quê praticar o voo e a queda?"

Assim rezava minha mãe, a Açoriana,
Com a minha teimosia inconformada
Que me fazia ir além da Taprobana,
"Em perigos e em guerras esforçada"...

Mas não daria tempo pra a virada
Do mundo que criei da minha mente,
E ela morreria sem ver nada.

E agora, de repente, reconheço
Em minha mãe primeiro ser vivente
De quem queria aplauso e não o terç
o...

quarta-feira, 25 de junho de 2014

A Rainha (de Alma Welt)

                             A Rainha - ponta seca de Guilherme de Faria , 1968

A Rainha (de Alma Welt)

Sonhei que minha mãe era a rainha
Como aquela da gravura do Guilherme
Mas não tão má, realmente, nem mesquinha,
Muito menos ressequida na epiderme.


Mas com ar altivo e frio que dá medo
A minha mãe era bela e tinha pena
De eu ser de meu pai um arremedo
Que era o que ela vê e já condena.


“Báh, Poeta! Isso não pode dar certo!
Onde estão os domésticos valores
E morais, de que nunca a vi por perto?”

E eu sofria por não lhe corresponder
Ao estrito molde, prendas e pendores
Que preferia transgredir do que morrer...


quinta-feira, 15 de maio de 2014

Les Feuilles Mortes (de Alma Welt)


“Sejamos plácidos, puros e polidos”,
Dizia minha mãe de vez em quando,

E voltava aos seus livros preferidos
Com um gesto real nos dispensando...

Mas eu e Rodo não podemos nos queixar,
Partíamos também nós à aventura
Que ninguém mais nos podia aprisionar,
Nossas duas almas livres e à procura...

Sou grata à minha mãe por seu descaso,
Cada um dê o que tem ou ceda tudo,
A vida se encarrega e cola o vaso,

No final dará certo em linhas tortas.
Vejam: sou feliz com o que me iludo,
A poesia não se atém a folhas mortas...

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Dos Segredos (de Alma Welt)


Dos Segredos- Litografia de Guilherme de Faria

Dos Segredos (de Alma Welt)

A Matilde com seu ar falso bisonho
Que me desperta bem cedinho de manhã
Sempre a me perguntar qual foi o sonho,
E não desiste dessa tentativa vã,

Conquanto eu a adore não confio
Na sua muito duvidosa discrição
Que levaria à Mutti aquele fio
Do labirinto deste jovem coração

E a engano com meus falsos segredos
Com aquela candura que a despista
Como se fora ainda meus brinquedos.

E lhe entrego meu corpo em plenitude
Para que com desvelo ela me vista
Em graça verdadeira, que a ilude...

sexta-feira, 23 de março de 2012

O Bilhete (de Alma Welt)


O Bilhete (1974) - Litografia de Guilherme de Faria

O Bilhete (de Alma Welt)

Me recordo, e isso é surpreendente,
Na minha infância um fato corriqueiro,
Um bilhete entregue à Mutti, de repente,
Trazido pelas mãos de um mensageiro

Que montado esperou ele e o alazão
Do qual o pobre nem sequer se apeou
Para beber um copo d’água ou chimarrão
E bem depressa no seu rastro retornou...

De Matilde, que a entrega fez de perto
O olhar foi na verdade o que guardei,
Pois que era pra mim um livro aberto,

E a certeza malgrado ingênua fosse
De que ali se transgredia alguma lei
Que proíbe que um rosto se remoce...

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Saturnálias (de Alma Welt)



Saturnálias (de Alma Welt)

Bá! Carnavais com Rodo, não migalhas,
Não só “rodo metálico”, mas dos tempos
Em que havia festas, Saturnálias,
Nos galpões de outrora, de outros ventos!

Em que eu me punha toda Colombina,
Coquette como a Mutti me dizia
Quando, menos que guria, era menina
Mas tentadora parecer me permitia...

E dançava assim de máscara no rosto,
Retirando-a por momentos bem furtivos
Para que os olhares meus tivessem gosto

E caíssem nos olhos de um Pierrô
Que me distinguia entre os vivos
E assombrados foliões por onde vou...




Meu Diário Violado (de Alma Welt)

Quando eu era ainda uma guria
Ganhei pequeno álbum de Diário
Gracioso e que me embevecia,
Mas com seu cadeado bem precário

Que haveria de ser minha desgraça
Pois ali eu colocava meus segredos,
Tudo, tudo que no coração se passa
E da imaginação os meus enredos.

Mas eis que Solange, meu tormento,
Cortou o cadeado como um queijo,
Acessando o meu secreto pensamento.

E logo ordenou-me, olhando feio:
"Ajoelha, nos meus pés depõe teu beijo,
Aquele mesmo da página do meio!"


Nota
Alma contou este episódio de sua pré-adolescência num pequena crônica de mesmo título. Ela havia ganho esse álbum de Diário, de nossa Mutti, e desconfiaria anos depois de segundas intenções de nossa mãe, dada a fragilidade do cadeado. Solange, nossa irmã mais velha, falecida (há alguns anos) sempre invejara a beleza e os dons da Alma e a perseguiu muito a vida inteira (vide o romance A Herança). Solange tendo violado e lido o diário da Alma, chantageou-a ameaçando contar à Mutti uma determinada página, e obrigou a Alma a se prosternar e beijar seu pézinho gordo, chamando-a de escrava. Alma amedrontada com a possibilidade de seu segredo(?) cair nos ouvidos da "Açoriana" (como ela chamava nossa mãe, com distanciamento) e ser açoitada, obedeceu e humilhou-se beijando os pés de nossa irmã. Solange quis perpetuar essa situação escravizando a Alma, mas esta, para libertar-se preferiu ver seu segredo cair nos ouvidos da Mutti que realmente a açoitou com vara de marmelo. Depois em lágrimas disse à Solange: "Já sofri, estou livre, nada mais podes contra mim!". (Lucia Welt)


A página do meio do Diário (de Alma Welt)

Quando era eu ainda bem guria,
Tornei-me escrava de minha irmã Solange,
Por algum tempo, e confesso: com volúpia,
Que revelá-lo já não me constrange.

Eu iria sofrer por um segredo
Que ela à Mãe ameaçava revelar,
A qual iria por certo me açoitar
Ou mesmo condenar a um degredo.

O beijo que causou o espanto todo
Não mesmo era comum mas espantoso,
Pois não fora na boquinha do meu Rodo

Mas na ponta do pintinho encantador
Que ele me afirmava ser gostoso
Para mim, pois de cereja o seu sabor...

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Pecado original (de Alma Welt)


Rumo ao Batistério (a Açoriana com Alma na charrete do Galdério)-óleo s/tela de Guilherme de Faria

Pecado original (de Alma Welt)

Quando guria, escutei a discussão
De minha mãe, Mutti, a Açoriana,
Com meu pai, o Maestro bonachão
Que tentava acalmá-la em sua gana

De açoitar-me com vara de marmelo...
E ouvi o que dizia, furibunda:
“Tu não vês que sua honra assim eu velo,
Que é maneira de esconder aquela bunda?”

“Tu és culpado de tirar-me ela do seio,
Que já ia de charrete com Galdério
E da estrada já estávamos no meio,”

Condenando-lhe a alma a este mal,
Pois que eu a levava ao batistério
Pra livrá-la do pecado original!...”

segunda-feira, 30 de maio de 2011

O Alfaite da Bessarábia (de Alma Welt)


O Alfaite da Bessarábia- óleo s/ duratex de Guilherme de Faria, 1970, 50x60cm (fase baconiana)

O Alfaite da Bessarábia (de Alma Welt)

Quando eu morava em Novo Hamburgo,
Antes de mudar-me para a estância,
Havia um alfaiate nesse burgo
Que era parte feliz da minha infância,

Pois eu ia visitá-lo amiúde
E vê-lo cortar e costurar
(e muito fiz isso enquanto pude)
Belos ternos, de vestir e deslumbrar

A clientela que o expulsou dali
Quando um cartucho ele botou
Na porta, com a estrela de Davi...

Mas seu Marcus de mim se despediu
Me dando um coletinho que cortou
E que usá-lo minha mãe me proibiu...

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Entre as flores (de Alma Welt)

Entre as flores do meu jardim materno
Brinquei, cresci e ainda me vejo.
Sem elas na alma faz-se inverno
Ou tendo a ver a vida sem desejo...

O que se torna um limbo, quase morte,
Como envelhecimento prematuro
Ou como as névoas muito ao norte
De mim mesma, do meu ínclito futuro.

E ao me ver brincar entre suas flores,
Na Açoriana a dureza se abrandava,
Esquecia por momentos seus rancores,

Ao menos de parir-me e já perder-me
Para o mundo maior em que eu estava
Pelas mãos de meu pai ao recolher-me...

(sem data)

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A vida vivida ( de Alma Welt)

Com tal sofreguidão vivi a vida
E tanto a fruí que pouco devo
A uma outra vida imerecida
Se já foi em dobro no que escrevo,

Malgrado esta dor de incompreensão
De minha mãe Morgado, a dura Ana,
Que tanto me faz falta ao coração,
Que sempre acreditou-me ser insana.

Isto pensado aceitaria nova chance
Se vivi pela metade minha saga:
Minha Mutti ficou fora do romance.

Que não pude deitar-me em sua cama
E colar-me num seio que me afaga,
E não mais chamá-la assim: Açoriana...

(sem data)

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Ricordanze (de Alma Welt)

Minha mãe amava as chávenas de chá
E não suportava a bomba e a cuia
E outras coisas que não haviam lá
No vale cujo rio ainda ouvia...

E me queria sentada bem durinha,
Com vestidos que iam até os pés,
Grande laço a cingir a cinturinha,
A sorver chá de saquinho e canapés.

Bah! Vocês conhecem minha coceira,
O pequeno vulcão que sobre a neve
Agitava uma rubra cabeleira...

E eu fugia arrancando aquela cilha
De laços, para me sentir mais leve
E correr solta de alegria na coxilha!

(sem data)

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Maternidade(Aleitamento)-lito de Guilherme de Faria -coleção Alma Welt

terça-feira, 11 de maio de 2010

SONETOS À MUTTI ( de Alma Welt)


Junto ao berço- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 50cm de diâmetro

Esta é uma recolha dos sonetos que Alma dedicou à nossa mãe,a Mutti, ou "a Açoriana" como ela a chamava, ou que a ela se referem, ou mesmo à maternidade em si... Notem que Matilde, a nossa antiga bá e atual cozinheira é uma segunda mãe para nós e o foi especialmente para a Alma, e por isso também é referida aqui nesta seleção que faço em homenagem à Mães no seu Dia. (Lucia Welt)
A numeração de cada soneto corresponde à sua colocação no blog Vida e Obra de Alma Welt, que contém os SONETOS PAMPIANOS DA ALMA )



A previsão da Mutti (de Alma Welt)
(166)

Pela estrada que leva ao casarão
Eu galopei desde guria no alazão,
E ver-me com a cabeleira ao vento
Sem sela e afogueada era um tormento

Para a minha Mutti que cobrava
De mim desde criança uma postura
De prenda recatada e nada "brava",
Pois achava que a vida de aventura

Me levaria para longe dos normais,
E que assim eu não me casaria
E ficaria fatalmente "pra titia".

E vejo agora suas previsões fatais
Se confirmarem, pois pra mim não haveria
Outro caminho... que o vento e a Poesia.

27/12/2006



O canto da Açoriana (de Alma Welt)
(para minha falecida mãe, Ana Morgado Welt)
(11)

Entre Alegrete e Livramento
Bem perto do Rosário do meu Sul
Está uma espécie de convento
Com as janelas pintadas de azul.

Eis o casarão da minha infância
Que ainda hoje me vê flores colher
E levantar-me de noite com constância
Para com os vagalumes me entreter,

Logo despindo a camisola fina
Para branca me lunar enquanto choro
A vagar nua pela minha colina

Até ouvir a voz que herdei de Ana
Qual fora o triste espectro canoro
De minha bela mãe... a Açoriana!

15/12/2006


De sonhos, pipas, corações (Alma Welt)

Arrastados na corrente dos eventos
Vão os corações, de cambulhada,
Sonhos empinando-se nos ventos
Como pipas infantis na madrugada.

Bah! Depois sempre a derrocada,
Enroscados em fios ou altos galhos,
Pendendo, ali, patéticos frangalhos
Como triste ilusão abandonada.

Como custa renovarmos nossos sonhos
E empinar novas pipas encarnadas
Com os mesmos propósitos bisonhos!

Subir cabeceando, ah! subir
Esperando que as alturas alcançadas
Nos chamem, como a mãe, para dormir...

(sem data)


Nota
Acabo de encontrar este notável soneto simbolista, inédito, na Arca da Alma. A Poetisa realmente podia falar de sonhos e... pipas, pois, com Rodo, como moleques, muito ela os empinou, brancos em noites enluaradas ou de manhã cedinho, sempre interrompidos pelo chamado da Mutti, para dormir, para almoçar... (Lucia Welt)



A preceptora (de Alma Welt)


392

Minha mãe contratou preceptora
Para botar cabresto em sua guria
Que desembesta por aí c’uma pletora
De velhos deuses e numes à porfia,

Pelo prado, o lago e o vinhedo,
Pelo pomar e o poço mágico vetado,
Pelo bosque que guarda o meu segredo,
Pelas palhas do galpão abandonado.

“Senhorita, põe um freio nesta prenda
E ensina-lhe a conter os seus impulsos,
A comportar-se como o livro recomenda.”

“O resto, o francês e os algarismos
Podem vir se a prenderes pelos pulsos,
Contendo seu vulcão, sonhos e sismos.”

(sem data)

Arca de amor e fel (Alma Welt)
324


Quanto procurei na velha arca
As cartas e os vestígios de um amor
Que foi o de meu pai em seu vigor
E mais além, já quase em sua barca!

Espero que a Mutti me perdoe
Mas sei que não era o seu papel,
Que sem amor não há o que se doe
E a ela caberia a dor e o fel.

E nesta tragédia pampiana
Tomei eu partido do meu Vati
Em prejuízo da pobre Açoriana

Em quem não obstante o amargor
Plasmado em cada folha deste mate,
Reconheço agora tanto amor...

21/12/2006

Nota
Nessa mesma arca que agora guarda a imensa obra inédita de minha irmã, também procurei os vestígios desse misterioso amor de toda a vida de nosso pai, encontrando, como a Alma, somente pistas igualmente misteriosas. Alma se refere a isso também num capítulo de seu romance A Herança e também na crônica O rosto de Musidora, publicada no blog Crônicas de Alma Welt e também no site Texto Livre. (Lucia Welt)


Eu estarei aqui depois de tudo
(de Alma Welt)
305

Eu estarei aqui depois de tudo
Quando voltarem as flores no meu prado,
A macieira a florir no pomar mudo
E o casarão estiver todo arruinado,

Suas paredes recobertas pela hera
E no salão a grande mesa abandonada
Onde um dia quando bem guria eu era
Fui belamente adormecida colocada

Pelo fiel Galdério, também ido
Que com Matilde e seu dever cumprido
Foram prestar contas à patroa

Nossa bela, triste e branca Ana
Que afinal como rainha se coroa
E que já não chamo mais... Açoriana!



12/01/2007

Nota
Acabo de encontrar este belo soneto nostálgico, perdido na montanha de papéis da arca da Alma, e que não encontrei publicado (depois de extensa pesquisa) em nenhum dos conjuntos de sonetos já publicados nos blogs da nossa Poetisa. A verdade é que espero encontrar outras jóias como essa neste espólio grandioso dos manuscritos inéditos de minha grande e saudosa irmã, que estou apenas arranhando com estes 25 blogs.
O curioso é que do ponto de vista contextual este soneto contrasta com o penúltimo que eu coloquei aqui ( o n°35 e último que traduzi para o castelhano: "Não estarei aqui quando voltares... " Mas ambos contêm a certeza de sua morte próxima e a convicção de alguma forma de retorno, mesmo que espectral, o que afinal acabou se confirmando, pois ainda a avistamos intermitentemente vagando por aqui, o que nos confrange e desnorteia, pois nos parece que ela não se libertou de sua vida aqui neste plano ou quer nos comunicar algo que não conseguimos entender. Nossos peões, que amiúde a vêm, a chamam "Alma da Pampa"...



O jardim das memórias (de Alma Welt)
292

Minhas crianças amadas me rodeiam
E me fazem saber que sou feliz,
A mim, que não sou simples aprendiz
Pois beleza e alegria me permeiam

Desde guria, aqui, por estes pagos
Em torno ao casarão na pradaria:
De mãos dadas com Rôdo eu corria,
E os dedos já sentiam seus afagos

Que depois, no bosque, ou na cascata
Se estenderiam aos meus pequenos seios
Incipientes e brancos como nata.

Então eu me enterneço duplamente
Ao brincar neste jardim com seus enleios
Que me levam a mim mesma novamente.



24/11/2006


Pietà sulina (de Alma Welt)

273

Vinha o gaúcho troncho em sua sela
Ferido por adaga gravemente,
Na mão direita a rédea como vela,
A outra mão a segurar o rubro ventre.

E estacando o seu pingo emfim cedeu,
Fez um aceno vago e foi caindo
Nos braços do Galdério que acorreu
A ampará-lo como a um guri dormindo.

E enquanto a alma ia sem adeus
Eu gravei a cena em minha retina
Como uma Pietà leda e sulina

Pois agora já estava entre os seus
Como o outro na estação divina
Fixando a morte insólita de um deus.


(sem data)


Retorno ao bosque (de Alma Welt)
242

Atravessando o bosque tão amado
Me embeveço com a sua maravilha:
Musgos, líquens, o solo alcatifado
Que esconde a vida que fervilha.

Ali os cogumelos... e esses gomos
Ou orelhas recobrindo velhos troncos
Onde se escondem eles, bons gnomos,
Quando fogem dos trolls, aqueles broncos.

E de repente o pássaro ignoto
Que só canta quando piso nessa relva
Alerta-me os perigos que não noto

Pois o lobo pela Mutti encomendado
Quando eu era guria nessa "selva",
Deve ainda rondar esfomeado...


Nota
Nossa mãe, a Mutti, ou a "Açoriana" como Alma poeticamente a chamava, tentou incutir medo na Alma quando guria, a respeito do nosso bosque, que ela talvez considerasse mesmo perigoso. Mas o espírito aventureiro da Alma era mais forte, assim como o seu amor e fascínio pela Natureza, que superavam até mesmo um vago receio que restou como resíduo do mito desse "lobo", que persistiu, apezar de tudo, no espirito da corajosa guria como um ruído de fundo ou um arquétipo do Mal difuso no mundo... (Lucia Welt)

Aproveito para republicar aqui o soneto 196 para que o leitor compare ou se lembre da recorrência desse "lobo" mítico no bosque da Alma:


De lobos e guris (de Alma Welt)

(196)

Minha mãe dizia haver um lobo
No bosque aqui perto e emboscado
E que eu deveria ter cuidado
E nem sequer ir ali com o meu Rôdo,

Pois meu irmão, guri bem destemido,
Não seria páreo pro vilão
E que depois de assado e comido
Eu seria a sobremesa alí à mão.

Mas a curiosidade era mais forte
E eu entrava com ele ou sozinha
Embora jogássemos com a sorte

Pois a verdade era que eu creía
Haver o lobo que comia criancinha,
E até hoje ainda creio: o lobo havia.

13/01/2007


Chuva e sol (de Alma Welt)
239

Rôdo, mano, vai na frente espionar
Pra ver se posso entrar pela cosinha!
Matilde já não quer acobertar
As loucas escapadas de "la niña".

Já que estou molhada e seminua,
Minha Bá achará que estou sem roupa
E a Mutti se me pega perpetua
O mito de que Alma é mesmo louca.

Com a chegada do nosso haragano,
Bah! rolar na chuva nestes prados
Com o sol em contraponto pampiano

E ter estado nos teus braços, meu irmão,
Gritando de alegria, ensopados,
Vale na certa os tapas e o sermão!

04/11/2005


Nota da editora

Ao encontrar este soneto mais uma vez me comovi, pois ele recorda um fato que testemunhei. Lembro-me bem desse dia, quando Alma ainda adolescente (15 anos) chegou ensopada, com o vestido colado no corpo (que realmente a deixava nua), linda e afogueada, entrou em casa se esgueirando e ao mesmo tempo sorridente, travêssa. Nossa Mutti era viva quando do fato portanto Alma escreveu este soneto muitos anos depois do ocorrido. O vitalismo, alegria e integração de minha irmã com a Natureza eram comoventes, e ao recordá-lo não posso acreditar que ela se foi... (Lucia Welt



A arca (de Alma Welt)
238

Qualquer poema meu ou texto escrito
Atiro numa arca muito antiga
Que contém de mim o feito e o dito,
Também algum mal-feito, há quem o diga:

Minha Mutti já não mais quer saber
O que eu registro do que vivo
Com receio de chocar-se ao perceber
O quão revelador é aquele arquivo.

E então ordenou ao meu Galdério
Que queimasse aquela urna arcana
Ou enterrasse além no cemitério

Esquecida de que o nosso charreteiro,
Bem mais fiel a mim que à Açoriana,
Não trairia o seu pampa verdadeiro...


25/08/2006

________________________________

Nota
Encontrei, surpresa, este soneto inédito que se refere à própria arca dos escritos da Alma, de que eu sempre conheci a existência secreta e da qual fui aliada desde guria, ajudando-a mesmo, junto com o Rodo a escondê-la da Mutti. Entretanto Alma a mudou de esconderijo por receio de nossa mãe, que suspeitou de que o Galdério não a havia queimado (pois Alma não fingiu suficientemente um grande sofrimento e revolta) e a procurava. E eu só vim a redescobrí-la tantos anos depois da morte da Mutti e alguns meses depois da morte da Alma.
Quanto ao soneto, fui logo mostrá-lo ao Galdério, e o "galtcho" ou "Galdo", como a Alma o chamava, com o papel na mão, vi a folha vibrar, tremer. Creio ter visto um brilho no olho do gauchão fiel, que se manteve calado, nada comentou...
(Lucia Welt)

O espectro (de Alma Welt)
(210)

Em noites frias aqui no casarão
Acontece do meu leito levantar
E enrolada num pala ir ao salão
Para sentir o silêncio crepitar

Na lareira, pois ali sou visitada
Por um mundo de imagens agradáveis
Que me trazem poemas inefáveis
Ou alguma coisa inusitada.

Foi ali que num lance inesquecível
O espectro da Mutti afinal veio,
Que fora tanto tempo inacessível,

E que porfim estendia-me os braços
Dizendo:"Filha, faltaram-nos abraços,
Quisera agora sentir-te no meu seio."

16/01/2007

Nota
Nossa mãe, Ana Morgado, que chamávamos Mutti, faleceu quando éramos adolescentes(Alma tinha 16 anos) tinha dificuldade de compreender o temperamento artístico da Alma, e havia muita dificuldade de relacionamento entre as duas, uma vez que Alma, apesar de aparentemente meiga era rebelde e tinha o respaldo do nosso pai, o Vati que tomara a sua educação em suas mãos e a criara como uma pequena pagã, em contato com a Arte e com os deuses do Olimpo e do Walhalla. Dir-se-ia que ele fazia uma espécie de experiência com sua filha predileta. Ele disse uma vez que faria da Alma não só uma artista, mas uma obra de arte. Alma teve muitos momentos penosos de conflito, incomprensão e intolerância por parte da Mutti, chegando mesmo a ser algumas vezes açoitada com vara de marmelo. Tudo isso transparece aqui na série dos "Sonetos Pampianos da Alma".
Este soneto me comoveu, pois revelou uma reconciliação, de algum modo, entre elas. (Lucia Welt)

A esquisita (de Alma Welt)
(201)

Minha mãe quis mostrar-me pr'as visitas
Apesar de minhas maneiras "esquisitas",
E pediu-me que cantasse umas canções
Ou recitasse um verso de Camões.

E eu, para honrar a minha fama
Fui passando muito além da Taprobana
E meti um soneto da minha lavra
Com a melhor das intenções... palavra!

Ainda mais com minha ênfase de atriz,
Já que aquele minha mãe não conhecia,
E fiz a pobre corar até a raíz

Pois com verso controverso não contava,
E às visitas logo mil perdões pedia
Enquanto eu da sala me esgueirava...

28/10/2006



Estória da Matilde (de Alma Welt)
(199)

Matilde, que agora reza e reza,
Houve tempo em que abria para mim
E contou-me que dentro dela pesa
Um remorso imenso e sem fim.

Ela deixara um filho natural
Num orfanato, só, por indigência,
Mas ao buscá-lo em penitência,
Soube de algo terrível e fatal:

A criança se fora num inverno
Em que o minuano assaltara
O casarão gelado e a levara...

Então Matilde andou pelo Inferno
Por dez anos até que o Galdério
A encontrou a dormir num cemitério.

12/01/2007

O pedido (de Alma Welt)
(198)

Tanto que a Mutti me dizia
Que o destino da mulher é o casamento
Que até para mim chegou o momento
De dar o sim a alguém que me pedia

E que fora um colega meu de escola
Desses que nunca pediu cola
E que me tinha tal veneração
Que junto a mim travava, em comoção.

Então chegou um dia resolvido
E diante dos meus pais fez o pedido
Balbuciando, trêmulo e alvar.

Puxei-o e disse, ali, na sala ao lado:
"Darei pra ti, esta noite, com agrado,
Se prometeres nunca mais voltar."

01/12/2006

Nota da editora:

Fui praticamente testemunha deste episódio que escandalizou o rapaz e irritou nossa mãe que, na verdade, não soube, claro, do motivo do sumiço do "noivo" (que diga -se de passagem, teve suficiente hombridade para retirar-se sem cobrar a promessa da Alma.
Minha irmã era sensível mas não sentimental, e não aceitaria casar-se com um rapaz tímido e inseguro, por melhor que fosse em outros aspectos, pois ela admirava a coragem, a desfaçatez e até o cinismo viril do nosso irmão Rôdo, pois uma das virtudes que ela mais admirava em alguém, era, como ela dizia, o "savoir -faire". (Lúcia Welt)


Palavras da Matilde (de Alma Welt)

(181)

Alma, volta logo, não nos deixe
Preocupados aqui com a princesa.
Sei que estás no prado como um peixe
Na água, alegria e... afoitesa.

Ontem um peão te viu pelada
A cavalgar como se não fosse nada.
Quem conta conto, eu sei, um ponto aumenta
E tua brancura é que os desorienta.

Mas olha, guria, boa prenda
Fica em casa a fazer teia de renda
Até o momento feliz de a recolher,

Pois queiras ou não tu és mulher
E o nosso destino não escolhe
Senão dever, marido e vasta prole.

02/12/2006

Palavras à Mutti (de Alma Welt)
(172)

Mutti, embora não me entendas,
Já que a ânsia da Poesia tu estranhas,
Quero agradecer às tuas entranhas
E ao teu calor pr'além das reprimendas

Pois embora tua vara ou o teu relho
Tenham só me ensinado a querer mais,
Eu nunca esquecerei aquela paz
De um momento junto do teu seio

Em que uns carinhos mais profundos
Aproximaram por instantes nossos mundos,
Embora isso fosse rima fácil...

E assim, não importa que não queiras
Que eu seja mais que guria muito grácil,
Pois, sem querer, abriste-me as porteiras.

15/01/2007

A previsão da Mutti (de Alma Welt)
(166)

Pela estrada que leva ao casarão
Eu galopei desde guria no alazão,
E ver-me com a cabeleira ao vento
Sem sela e afogueada era um tormento

Para a minha Mutti que cobrava
De mim desde criança uma postura
De prenda recatada e nada "brava",
Pois achava que a vida de aventura

Me levaria para longe dos normais,
E que assim eu não me casaria
E ficaria fatalmente "pra titia".

E vejo agora suas previsões fatais
Se confirmarem, pois pra mim não haveria
Outro caminho... que o vento e a Poesia.

27/12/2006

Onde estarão (de Alma Welt)
(165)

Onde estará a minha irmã Solange
Que na morte perdoei e perdoou
Esta em cujos braços se encontrou
Na agonia que ainda me confrange?*

Onde estará o bêbado Alberto
Que foi o seu marido abandonado,
Que a parede da cave tendo aberto,
Me salvou, embora o tenha carregado?*

E a Mutti, que tanto quis mudar-me
Que tanta vez exagerou na sua varinha
De marmelo, e cansou de fustigar-me?

Certamente num lugar do coração
Dentro deste mais pobre casarão
Mas cuja sombra não lhes será mesquinha...

14/01/2007

Um sonho da Alma (de Alma Welt)
(138)

Decidi ser mãe mais uma vez
(há muito perdi uma criança...)
Nem que tenha que laçar como uma rês
Um peão, um macho, aqui na estância.

Mas caí na esparrela de contar
Meu plano para a pobre da Matilde,
Que só faltou com uma vara me açoitar,
Dizendo: " Bah! Como a rainha é humilde!"

"Mas não podes, tu tens que respeitar-te!
Não vás deitando com qualquer gaudério
Que podes com certeza machucar-te..."

"E depois, como livrar-te do infeliz,
Que deitar-te contigo, quem não quis?
E já temos alguns no cemitério!"

19/01/2007

Nota da editora:

*"... perdi uma criança"- Alma teve um filho de um violinista com quem viveu quando morou em São Paulo. Essa história ela contou na sua novela Narciso, de uma "Trilogia Mítica", que foi publicada por ela no site Leia Livro(ainda está lá).Essa criança, lamentavelmente, com pouco mais de um mês, por síndrome da morte no berço, isto é um defeito respiratório de nascença. Como podem imaginar, Alma sofreu muito, e o fato deixou-lhe um vazio por dentro, que ela não conseguia prencher, mesmo tendo uma vida interior tão rica.
Por esse motivo, nós nos precipitamos em acreditar que ela pudesse ter se suicidado, diante das circunstâncias misteriosas de sua morte. Todavia uma dose de estranheza e de violência inusitada nas circunstâncias em que seu corpo foi encontrado fez nascer dúvidas em várias pessoas, o que motivou uma investigação quase particular, a princípio extra-judicial, por parte de um delegado que a conhecera em Rosário do Sul, e que tinha estudado com ela num ginásio daquela cidade. ( Lucia Welt)


A princesa em farrapos (de Alma Welt)
(136)

Havia um peão na minha infância
Que me salvou de pequena enrascada:
Eu fora atravessar com muita ânsia
Uma cerca e fiquei toda enroscada.

Meu vestidinho enganchou-se no arame,
E quanto mais aflita, mais vexame.
Até que o peão chegou solícito
Com um carinho sério, mas implícito.

E ficando meu vestido em farrapos
Fui trazida em seu cavalo qual princesa
Que tivesse se perdido na floresta.

Mas chegando ao casarão levei sopapos
De minha mãe, a rainha da dureza,
Eu que esperava (e ainda espero) aquela festa...

12/01/2007

Nota da editora:

Me lembro bem deste episódio. Era dia do aniversário da Alma, e ela tinha ganho um vestidinho novo da Mutti. Estava toda faceira vestida com ele desde a manhã daquele dia, mas, amorosa, ao ver um potrinho quis abraçá-lo, e ao tentar atravessar a cerca de arame farpado ocorreu o narrado no soneto. Chegou realmente em farrapos, chorando nos braços do peão (Rôdo ainda exclamou brincando: "Bah! Mire a princesa farroupilha! Cadê o Garibaldi?"), e nossa mãe, exasperada ao ver o estado do vestido, deu-lhe um tapa. Muito sensível, aquilo estragou-lhe a festa de aniversário que preparamos para ela.(Lucia Welt)


Uma outra infância (de Alma Welt)
(133)

Em recentes noites desta estância,
Eu reconheço comecei a sentir medo,
Coisa que não tive em minha infância
A menos que isso seja engano ledo:

Me lembro de sair sem outros lumes,
Do meu leito para ir até o jardim
Para sentir o perfume do jasmim,
Nua a vagar com os vagalumes.

Agora, envergonhada eu confesso
Que, assustada acordo e me apresso
Em camisola ir ao quarto da babá,

Minha Matilde velha que me abraça
Sob as cobertas furadas pela traça,
E que me esperavam desde lá...

17/01/2007


Nota da editora:

Alma pressentia talvez a proximidade da morte. Ela que era tão corajosa, fragilizou-se nos seus últimos dias. Me lembro como ela andava emocionada o tempo todo, derramava lágrimas e abraçava a todos a todo momento, o que nos comovia sem entendermos. Daí a dois dias escreveria o seu último soneto, "A carruagem".


Da gloriosa infância da Alma (de Alma Welt)
(107)

Aos nove eu já fugia do meu leito
Pra subir até o Rôdo na mansarda,
Pra com ele comer algum confeito
E sonhar com "feitos de vanguarda".

E depois de uma "noite de prazer"
(às vezes eu dormia em seu colchão)
Nós descíamos ao amanhecer
Para o desjejum com chimarrão.

E logo zás! pra fora em correria
Para escapar da dura inquisição
Da Mutti, que apartar-nos gostaria...

Então, brisas no rosto, ó meu "sertão"!
Ó pampa!... de mãos dadas e ao léu,
Nossa infância gloriosa sob o céu!

10/07/2007


No dia em que a Mutti nos flagrou (de Alma Welt)
(42)

No dia em que a Mutti nos flagrou
A mim e ao irmão em brincadeiras,
Pelos nossos cabelos arrastou
Entre peões e risadas zombeteiras.

Com a mãozinha, obrigada, eu cobria
As “vergonhas” ( o que não me ocorreria)
E fez-nos entrar no casarão
Para mais furibundo e atroz sermão.

Mas eis que o Vati, carinhoso
Disse: —Pára, mulher, assim não vai...
Criança é bichinho só curioso...

-Não a toques, vê, está pelada!
Gritava minha mãe ainda irada...
E ele: “Vem, minha princesa, com teu pai!"

20/12/2006


Eu vinha pela senda... (de Alma Welt)


14

Eu vinha pela senda rumo ao lar
E gritei, o coração saltando, ai!
Reconheci, eu juro, o dedilhar,
Eu ouvi o piano de meu pai.

Atravessei a grande porta sem aldrava
E penetrei no santuário de seus livros.
Ali, o Steinway mudo ressoava
E vi meu pai, como antes, entre os vivos.

Ali estavam minha Mutti e a avó Frida,
O pobre Alberto, bêbado e bondoso,
E Solange que com ele ainda discute.

E entre eles, alto e majestoso,
O avô Joachin, que não quis ouvir em vida
Este piano que na morte repercute...